Nota Anvisa: Publicação de artigo na revista The Lancet sobre a vacina Sputnik
Após a publicação de nota nesta terça-feira (2/2) pela Anvisa, o laboratório União Química informou à Agência que a vacina que pretende trazer para uso emergencial terá o mesmo padrão de temperatura e conservação da desenvolvida na Rússia e que teve dados publicados na revista The Lancet.
Conforme publicado, a condição de temperatura e conservação indicada é de -18°C.
Na nota abaixo, a Anvisa se pronuncia sobre a publicação da revista The Lancet e apresenta de forma resumida alguns pontos observados na análise das informações fornecidas até o momento pela União Química, destacando as providências que cabem ao laboratório no processo de análise da vacina Sputnik pela agência reguladora brasileira.
NOTA
A publicação de um estudo clínico em revista científica de referência é uma boa notícia. Entretanto, para se concluir sobre a eficácia e a segurança da vacina, a autoridade reguladora precisa ter acesso aos dados completos gerados nos estudos não clínicos e clínicos fases I, II e III.
Importante ressaltar que a temperatura recomendada para armazenamento da vacina Sputnik V na forma líquida é não superior a -18ºC, como mencionado no referido artigo.
Novos estudos deverão ser realizados caso haja interesse por parte do fabricante nacional em alterar as recomendações sobre a temperatura de armazenamento da vacina no Brasil.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) ressalta que os países que estão introduzindo vacinas para usar devem garantir que “as vacinas atendam a rigorosos padrões internacionais de segurança, eficácia e qualidade, e para acelerar a prontidão para a implantação.” (27th WHO Regulatory Update on COVID-19, 24 January 2021).
Quanto ao status do processo de solicitação de anuência para a condução dos estudos clínicos fase III no Brasil, que é um dos pré-requisitos para se pleitear a autorização de uso emergencial da vacina no país, o processo que analisa a vacina Sputnik continua aguardando o cumprimento de exigências técnicas pela empresa, dentre as quais:
(DDCM - BROCHURA DO INVESTIGADOR - Estudos Clínicos): esclarecimentos sobre a grande variação de resultado em relação aos AC IGGs específicos e AC neutralizantes;
(DDCM - BROCHURA DO INVESTIGADOR - Estudos Clínicos): dados de validação dos testes de AC neutralizantes;
(DDCM - BROCHURA DO INVESTIGADOR - Estudos Clínicos): esclarecimentos sobre como está planejada a avaliação da consistência de lote;
(DDCM - MEDICAMENTO EXPERIMENTAL): a empresa deve enviar os dados completos de qualidade;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): esclarecimentos sobre a não inclusão de participantes de pesquisa acima de 65 anos que tenham comorbidades, uma vez que essa seria a população que provavelmente mais poderia se beneficiar do uso da vacina;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): avaliação de imunogenicidade em intervalos menores daqueles previamente apresentados (28, 42, 180, 270 e 360);
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): avaliação a resposta celular por meio de outras citocinas além de interferon gama (IFN-ɣ) e também por meio da relação Th1/Th2;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): esclarecer o que seria o placebo a ser utilizado no estudo clínico proposto;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): deixar de forma mais explícita, no protocolo apresentado, que haverá a inclusão de participantes soropositivos;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): esclarecimentos sobre os sintomas apresentados no protocolo para avaliação de Covid-19;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): informações a respeito dos testes a serem realizados para avaliação de citocinas, anticorpos e virologia (PCR). Inclusive, informar como as amostras serão coletadas, armazenadas e se serão avaliadas por meio de laboratório central ou local;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): recomendamos fortemente a utilização de randomização 1:1. Esta é a recomendação do guia FDA para vacina de Covid e está sendo utilizada em todas outras vacinas de Covid. A utilização e randomização 1:1 juntamente com a análise interina é preferível à randomização proposta no protocolo de 3:1, na qual esta última necessita de diversos ajustes de metodologia estatística, tanto a análise final quando a análise interina, cálculo amostral e estimação de todos os parâmetros. Incluir qual o programa que será utilizado para randomização e alocação dos participantes;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): o cálculo amostral apresentado considerou somente a eficácia da vacina. O cálculo amostral deverá considerar todos os parâmetros a serem avaliados para comprovação da vacina conforme guia do FDA, ou seja, limite inferior do IC > 30%, estimativa de EV >= 50%, randomização e análise interina;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): a metodologia estatística para o endpoint de eficácia deverá ser ajustada para seguir o guia do FDA na qual define o limite inferior do IC > 30%, estimativa de EV >= 50%. Ambos os critérios terão que ser utilizados tanto na análise final quando em análise de eficácia em análise interina. As hipóteses apresentadas no protocolo não estão adequadas;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): a metodologia estatística para endpoints secundários de eficácia também deverá ser ajustada para seguir as regras do guia do FDA;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): o item referente à análise interina deverá ser ajustado;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): descrever as análises de sensibilidade a serem utilizadas;
(DOSSIÊ ESPECÍFICO DE ENSAIO CLÍNICO - DEEC - Estudo Fase 3 - SYN 002/20 - RESIST): esclarecimentos sobre o comitê de avaliação de segurança.
Em relação aos pontos que precisam ser avaliados pela Anvisa no pedido de autorização de uso emergencial, temos, de forma resumida, as seguintes questões:
Relatórios do(s) estudo(s) clínico(s), que incluam os resultados da análise interina ou final de desfecho primário do(s) estudo(s) clínico(s) de fase 3 demonstrando, pelo menos, 50 % de eficácia.
O critério de sucesso estatístico deve ser que o limite inferior do intervalo de confiança (ajustado para alfa apropriado) seja maior que 30%, ou, em caso de parâmetros alternativos, que estes tenham sido pré-aprovados pela Anvisa.
Esses relatórios devem incluir minimamente:
- a) Critérios de inclusão e exclusão de voluntários participantes da pesquisa.
- b) Descrição detalhada das características demográficas por braço do estudo e outras características importantes para a avaliação de eficácia e segurança, como presença e percentual de participantes com comorbidades, tratamentos concomitantes, uso permitido de outras vacinas.
- c) Descrição detalhada dos desfechos e de como foi feita a avaliação de cada desfecho no estudo, incluindo definição de caso de Covid-19 e escalas utilizadas para avaliação de gravidade, sintomas considerados para definir a necessidade de coleta de amostras para confirmação virológica, procedimentos para monitoramento de sintomas dos participantes, definição de períodos de dias, com máximos e mínimos, a partir do primeiro dia de sintomas para coleta de amostras para confirmação sorológica.
- d) Tempo médio de acompanhamento dos participantes após a administração do esquema completo de vacinação para a população de análise de segurança e de eficácia.
- e) Listagens de dados necessárias para apoiar as análises críticas como: resultados individuais de sorologia de base, diagnóstico prévio de Covid-19 com os resultados de testes realizados, resultados individuais dos desfechos de imunogenicidade, data de coletas, número de amostras coletadas e resultados para os testes para confirmação virológica da infecção por Sars-CoV-2 para todos os participantes que foram sintomáticos no estudo.
- f) Relatórios de validação dos ensaios bioanalíticos utilizados para avaliar os desfechos do estudo clínico de fase 3.
- g) Dados de segurança acumulados dos estudos de fase 1 e 2, com foco nos eventos adversos graves, eventos adversos de interesse especial e casos graves de Covid-19, acompanhados das respectivas narrativas detalhadas, e o plano de monitoramento para detecção de eventos adversos tardios, justificando o período proposto.
- h) Dados de segurança dos estudos de fase 3 referentes a um seguimento mediano de, pelo menos, dois meses após a última imunização e estabelecimento de um perfil de segurança preliminar para eventos adversos graves e de interesse especial e para exacerbação da doença respiratória. Devem ser fornecidas as narrativas detalhadas dos eventos adversos graves, de interesse especial e casos graves de Covid-19.
Outros pontos de análise:
Além desses dados, há necessidade de avaliação das boas práticas de fabricação de cada local de produção do insumo farmacêutico e da vacina na forma acabada, dos demais dados de qualidade, estabilidade e o plano de monitoramento no Brasil.
Quando a vacina contra a Covid-19 não estiver sendo avaliada em ensaios clínicos conduzidos no Brasil e pretende registrar, caberá à requerente:
- apresentar a estratégia do patrocinador quanto à condução dos ensaios estudos clínicos em outro país e que, demonstrando a intenção de acompanhamento dos participantes para a avaliação de eficácia e segurança dos participantes do estudo pivotal por pelo menos 1 ano, incluindo estratégia para avaliação de exacerbação da doença respiratória (RDE);
- garantir que terá acesso aos dados gerados em sua totalidade, bem como garantir e demonstrar que os estudos pré-clínicos e clínicos foram conduzidos conforme as diretrizes aceitas nacional e internacionalmente (por exemplo, se foram seguidos os guias do ICH e se a vacina é produzida em país membro do PIC/s), e que os ensaios e dados clínicos obtidos em outros países sejam aplicáveis à população brasileira;
- seguir a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) 55/2010 e, antes do protocolo, fazer uma prévia apresentação para a Anvisa do racional clínico, da qualidade e dos estudos conduzidos em outros países.
Fonte: Portal Anvisa